Desde os anos 1980, a temática ecológica é constante em minha produção artística, assim como a incorporação de placas de computadores e outros acessórios tecnológicos e eletrônicos. As séries de trabalhos denominadas RÉQUIEM A GAIA – “In Totum” e “O Estigma do Chefe Seattle”, tratam da situação atual de degradação ambiental no planeta, provocada pelas ações do ser humano ávido por enriquecimento imediato e conforto material supérfluo. Para a composição dos trabalhos desta série utilizei a interpretação artística de projeções cartográficas da seguinte forma:
A Máquina do Juízo Final
Em vários quadros também é pintado, como um detalhe, o mapa da região de forma realista, para criar um elo que fecha o quadro em si mesmo, ou seja, usando a metalinguagem: o próprio quadro é um detalhe do quadro.
Toda a série de trabalhos foi realizada em técnica mista: óleo + objetos sobre madeira ou sobre esfera de plástico. Em algumas obras usei filme plástico de PVC (policloreto de vinila) para criar texturas e efeitos visuais peculiares que, comparados aos demais elementos colados nos quadros, provocam a curiosidade do espectador.
Ao fundo de alguns quadros, pintei mãos e pés (que representam a ocupação humana do planeta). Em outros manuscrevi um texto, que segue padrões lineares compositivos específicos de cada trabalho. Este texto, Carta do Chefe Seattle, é conhecido mundialmente e tem uma história muito curiosa. O chefe indígena norte-americano Seattle fez um discurso, em 1855, durante um tratado de paz em que as terras indígenas foram vendidas em troca de uma reserva. Esse discurso foi presenciado por um admirador seu, Henry A. Smith, que o publicou em um jornal local em 1887, baseado em suas lembranças sobre o discurso. Em 1971, o discurso sofreu alterações feitas por um roteirista, Ted Perry, para um documentário com tema ecológico. A partir daí, o texto desse documentário passou a ser conhecido mundialmente como a carta resposta do Chefe Seattle ao presidente norte-americano. Embora, a autoria seja ambivalente, essa comunhão de textos, a meu ver, apresenta uma mensagem, que se torna cada vez mais atual, para a humanidade. Por isso, resolvi incluí-la em parte desta série de trabalhos, denominada IN TOTUM. Os interessados na íntegra do texto podem acessar Carta do Chefe Seattle. Vários elementos são incorporados às obras com a intenção de provocar reflexões filosóficas sobre a poluição do meio ambiente e o consequente declínio da qualidade de vida do Homem no planeta. Dentre os objetos incorporados aos quadros há vários elementos do nosso cotidiano tecnológico, tais como: placas de computador (serradas e esmerilhadas ou em pedaços e cacos), outros componentes eletrônicos (processadores, chips, alto-falantes), cartões de crédito, relógios, chaves, cadeados, cúpulas de relógios, balas de revólver, bijuterias, moedas, palitos de fósforo queimados, cascas de lápis apontados, farelos de borracha, cacos de vidro etc; além de elementos da natureza, tais como: sementes, conchas, caracóis, terra, areia, pedras, casco de tatu etc. Nesse sentido, alguns quadros apresentam as regiões do planeta preenchidas com restos de objetos que se relacionam com as características de cada região, a fim de representar a poluição causada pelo consumo excessivo de materiais processados pela indústria humana. Assim:
Os mapas-múndi de formatos ovais ou multiformes apresentam todas as regiões do planeta. Alguns são preenchidos com cartões de crédito (símbolo maior do consumismo desenfreado da sociedade contemporânea); chaves (símbolo de abertura ou encerramento de caminhos humanos no curso da espécie sobre a Terra), placas de computador (símbolo da tecnologia atual), diversos CDs (que representam a brilhante e aparente riqueza proporcionada pela tecnologia atual) e pequenos pedaços de placas de computador sujas com óleo industrial (símbolo da poluição tecnológica).
Dois quadros ovais apresentam a África e a América do Sul (Está no Olho de Quem Vê I e II) pintados de forma realista e os demais continentes pintados de forma facetada para representar o planeta como se fosse visto sob uma lente que que valoriza o planeta como se fosse um pequeno diamante imerso na infinitude do universo. Existem também três mapas-múndi ovais (Equilíbrio Natural, Ocupação Espacial, Desequilíbrio Tecnológico) que representam a evolução dos continentes durante as eras geológicas e a progressão da poluição tecnológica provocada pelos humanos. Os trabalhos estabelecem um paralelo evolutivo desde os primórdios das civilizações, quando o homem se espalhou pelo planeta usando materiais naturais para conquistar o meio ambiente, até os dias de hoje, em que o homem está poluindo o planeta de forma inimaginável.
Três quadros retangulares apresentam a terra recortada vertical, diagonal e horizontalmente, representando o "Descompasso" entre o uso da tecnologia e a integração com o planeta de forma sustentável. Existem ainda dois quadros que apresentam o mapa-múndi de forma invertida (O Norte É Aqui I e II). Trata-se de uma homenagem ao pintor uruguaio Joaquim Torres Garcia, que postulou uma nova forma de ver o mundo sem o ponto de vista convencional imposto pela cultura tecnológica do hemisfério norte do planeta. Ambos os quadros são feitos com restos da tecnologia atual.
No “Sem Água”, usei pequenos entulhos para representar os continentes e que somado à pintura transforma-se em uma representação dramática de uma imagem, construída por meio de radar e divulgada pela Agencia Espacial Européia, do que seria a Terra sem a água. Essa imagem está sobreposta ao um círculo de cacos de vidros mostrando o que seria os limites da água no planeta, que geram a forma arredondada incutida em nosso inconsciente coletivo. Finalmente, cabe dizer que estas séries trabalhos, em que uso o mapa-múndi para expressar minhas ideias e sentimentos reforçam meu “modus operandi” em todas as demais séries, já que em minha produção artística, procuro sempre unir a razão à emoção (base de meu processo criativo), a fim de criar uma obra que faz uso de técnicas tradicionais incorporadas a elementos da sociedade atual e que estabelece diversas relações metonímicas que provocam questionamentos no espectador. A forma como procuro expressar meus anseios e conceitos, por meio de uma linguagem subjetiva, possibilita que ele tire suas próprias conclusões sobre o tema abordado. O resultado é a cumplicidade ou a negação, não importa. Ambas formam um tipo de envolvimento que remetem à essência do que tento transmitir.