Um salão de jovens teria sempre que ser uma caixa de espantos, contidos, em equilíbrio (se for possível equilibrar espantos!), explodindo. Explico-me. Não entendo um jovem apenso às fórmulas, acomodado na rotineiriçe. É natural a pujança da juventude ser traduzida no campo da arte, pelas atitudes arrojadas, arrastando na sua petulância o seu grito de liberdade, a afirmação de querer viver, sobretudo o desejo de contestar os fatos que a rodeiam estratificados num sistema que a sociedade adota e lhe que impor.
Leva-nos a esse enunciado o Salão Abertura – 11º Salão Jovem de Arte contemporânea de Santo André – do qual fizemos parte do júri de seleção e premiação, juntamente com Enock Sacramento e Paulo Klein. Era desejo comum dos membros do júri modificar, de alguma maneira, a forma com que são realizadas as seleções nos salões. Acordou-se desde o princípio que deveríamos entrar de todos os artistas, pelo menos um trabalho. Dividimos o contexto do salão em três níveis- nível 1 – nível 2 – nível 3. No primeiro entrariam os artistas que já tivessem alcançado maturidade artística, aliando um equilíbrio entre manipular o técnico e a imagem criada; no segundo, os que se encontrassem a meio caminho disso, e finalmente, no terceiro os que tivessem muito a fazer, para atingir o nível 1. Desculpem-me os colegas de júri, mas ainda fomos, neste critério, um tanto ortodoxos e mesmo pretensiosos, pois não me abandona um só momento a certeza de que fomos injustos, principalmente quando verifico as gravuras de Antonio Carlos Rampazzo e de Sergio Ross colocadas no nível 2. E ainda fico pensando se a injustiça não foi maior aceitando para o nível 3 quem deveria estar no 2 ou 1 e vice-versa. Muitas dessas incoerências no julgar, ficam por conta da dificuldade de se analisar a obra de um artista, principalmente jovem, por apenas três trabalhos apresentados que damos uma dimensão que vai atuar muito mais nos nossos precários juízos de gostos do que em outros juízos. É portanto, inteiramente impossível, que um artista de qualidade se apresente mal em três trabalhos, como pode um artista sem fôlego suficiente, num mero incidente, apresentar-se com dois ou três trabalhos excelentes. Como dizia, podemos ser traídos por um juízo de gosto sempre baseado na nossa simpatia – antipatia, sendo irrecusavelmente o mais pobrezinho dos juízos.
Quanto à premiação, o que é de pouca importância para um salão de arte jovem, também não deve ser considerada como um ato de supervalorização de três artistas em trabalhos apresentados.
Queremos salientar de maneira especial o trabalho de alguns artistas, alguns deles bastante novos ainda. Iniciamos por Alex Flemming com gravura em metal de técnica apurada, apesar de um tanto restrito ao processo fotomecânico, frio e de cor um tanto ineficiente. Mas está em bom caminho. Antonio Carlos de Almeida Mattos, com seu trabalho aberto “comportamento geral”, atingiu o seu desejo de participação do espectador. É um trabalho que se adapta perfeitamente à enchente de grafitos que afogou os painéis da exposição. Antonio Carlos Rampazzo, atravessando uma fase de transição, mostra-nos uma pintura de temática bastante pesada atingindo o trágico.
Décio Soncini pinta em telas finas sem tratamento do suporte com delicadeza e boa técnica. Elenice Sanches alcança resultados bons com suas gravuras em metal na difícil técnica do “verniz mole”. Um dos melhores artistas do salão é Flávio de Campos Bassani, com suas ótimas aquarelas, focando o realismo urbano. Francisco Gonzáles também se apresenta com boa pintura. Hélio Meira com aquarela de imagens desprendidas e poéticas. Hiro Kai, Mari Kanegae e Alice Haga do grupo Aterras com seus “embalarte”, atingem uma limpeza técnica a par de um feito visual excelente.
São trabalhos que se elevam ainda no contexto do salão: Lúcia Helena Reily, com um desenho limpo, o de Luis Carlos Gomes que teve as superfícies internas circundadas por seus trabalhos marcadas pela irreverência do spray, criando-se uma imagem contrastante e inusitada entre a frieza assética dos seus trabalhos e as imagens expressionistas grafitadas. Mauro Garcia se apresenta com um expressionismo de cores fortes e figuras estáticas. Nestor Lacombe com pastel. Odair Magalhães conferindo sua qualidade gráfica com vários metais e desenhos a pastel. E ainda os bons desenhos sobre papel ocre de Percifal Tirapeli. O pastel texturado de Regina Kutha. O grafismo suave e poético de Roberto Nicoli. O realismo frio e urbano de espaços criados de Sérgio Niculitcheff e finalmente o realismo de Walter Luis Miranda. Citaria ainda as fotos poesia de Zhô e os trabalhos do artista novo Renato Brancatelli.
E por último vamos falar do mural branco, que solicitamos fosse colocado para os artistas ou quem quisesse, ali deixasse o seu grafito. Pretendíamos tirar o que se faz de mais vanguardista atualmente nas cidades, a necessidade irrefreável de “pixarmurus”, paredes e espaços disponíveis, num anseio de comunicar comigo, contigo, com todos nos espaços verdadeiramente disponíveis para a expressão plenamente livre. Um legítimo protesto as informações programadas dos jornais, televisões e dos etc... emergidos nos sistemas comprometidos com a população comercial de informação em massa. E assim foi feito e o espaço em branco foi preenchido com grafitos. Está acontecendo um salão em moldes inovadores que pôe em cheque todas as estruturas dos salões restritos e bem comportados. É bem verdade que esse salão abertura – II Salão Jovem de Arte Contemporânea – inevitavelmente será uma sala que, infelizmente irá faltar a próxima Bienal Internacional de São Paulo, no próximo mês de outubro.