Walter Miranda
Artista Plástico

30 Contemporâneos brasileiros

2011
por Enock Sacramento

 

 

 

 

 

 

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 Introdução

Fomos convidados pela ID4! a elaborar um livro, produto cultural do projeto “Arte Contemporânea”, destinado a apresentar a obra de 30 artistas plásticos brasileiros em atividade, tendo como publico-alvo não especialistas na matéria, mas sim pessoas com algum conhecimento sobre o tema. Imaginamos um livro com uma introdução sucinta sobre a arte produzida no Brasil a partir do início dos anos 50, quando se realiza em São Paulo a 1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1951, posteriormente denominada Bienal de São Paulo (1959) e, finalmente, Bienal lnternacional de São Paulo (1977), seguida pela apresentação dos 30 artistas previstos no projeto. Em função do espaço disponível, reservamos quatro paginas para cada artista, com três páginas destinadas a reprodução de obras e uma para textos - um perfil comentado do artista, por nós redigido, e um depoimento do artista sobre sua obra ou sobre a arte em geral - além de uma imagem pessoal. Para o depoimento, demos aos artistas total liberdade de expressão e o resultado foi muito gratificante. Com efeito, livros do gênero costumam apresentar os artistas mediante uma fotografia, um texto crítico, algumas obras e uma pequena nota biográfica, geralmente apresentada no final do volume. Aqui, o método empregado foi o de “duas mãos”: resenhamos a trajetória do artista ressaltando aspectos que o individualizam no contexto da arte brasileira e ele escreve sobre si mesmo, sobre sua obra ou sobre a arte em geral. Enfim, o livro apresenta dois pontos de vista: como nós vemos o artista e como ele se vê. O depoimento e a imagem pessoal livres ensejaram produções muito criativas. Emmanuel Nassar, por exemplo, apresentou como depoimento o provérbio “Boa romaria faz quem em casa fica em paz” reproduzido seguidamente nas páginas de um livro, que ele lê em seu retrato. Georgia Kyriakakis, cuja obra atual inclui o equilíbrio como tema, faz um depoimento sob forma de poesia e se deixou fotografar numa rua íngreme do bairro em que mora em São Paulo, acentuando, por inclinação, a angulação das casas em relação a seu corpo. Marcos Coelho Benjamim presta seu depoimento mediante paginas de um livro de artista e criou um autorretrato carregado de humor: um rinoceronte com uma faixa na qual se lê “não me apresente ninguém”. Nelson Leirner encaminhou como depoimento uma inteligente fábula à La Fontaine sobre as relações entre artistas e críticos. Enviaram também autorretratos Adriana Varejão, detalhe da instalação ”Testemunhas oculares X, Y e Z”; Alex Flemming, de sua instalação na Estação Sumaré do Metrô de São Paulo; Arnaldo Battaglini, produzido quando de sua estada em Londres; Gonçalo Ivo, obra que tem em seu ateliê de Paris; Guto Lacaz, sob forma de um logo; Jose Rufino e Luiz Martins, sombra projetada; Laura Michelino, desenho realizado em 1997 em Paris, onde mora; Marepe, técnica mista de curiosa elaboração; Paze, como boneco articulado; Renata Barros, projeção sobre latex; Rico Lins, fotomontagem; Vinicius, autorretrato contextualizado na instalação “Lágrimas de São Pedro”, Walter Miranda, como o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci. Outros enviaram fotos assinadas, algumas não convencionais como a de Divino Sobral, de Goiânia, de autoria de Carlos Sena; e a de Edith Derdyk, sequência dinâmica captada por Denise Adams. Perfil, depoimento, retrato - no sentido de pintura, fotografia ou outra representação artística de uma pessoa - e obras formam uma massa crítica de informações suficiente para permitir ao leitor a compreensão do universo de cada artista. E o conjunto dos 30 artistas aqui reunidos projeta, pelo menos em parte, a arte que se faz hoje no Brasil. Entre eles incluímos um designer gráfico, Rico Lins, e uma dupla de designers de móveis e outros objetos, os Irmãos Campana, por considerar que as fronteiras que separam as artes plásticas do design são por demais frágeis para justificar qualquer atitude excludente e que, de há muito, as portas dos museus de arte já foram abertas para eles. Se tomarmos como parâmetro de contemporaneidade a 29ª Bienal Internacional de São Paulo, que acontecia na fase final de produção de conteúdo deste livro, veremos que a instalação, o vídeo, a fotografia, o objeto estão em grande evidência, mas que há e sempre haverá espaço para a performance, o happening, a body art, o livro de artista, a pintura, o desenho, a escultura, a gravura, a arte postal, a land art e a web art – que tende a ocupar espaços cada vez maiores - apresentados de forma independente ou associados a outros meios. A consciência de que o ciclo moderno da arte se exaurira tomou corpo no Brasil nos anos 60. O ocaso da modernidade foi marcado por intensa efervescência nos bastiões da arte brasileira, resultante de fatores determinantes de origem política, social e até mesmo econômica, que vale a pena recordar. Apesar da opção por elencar 30 artistas atualmente ativos no Brasil, sem a preocupação de representação de todos os segmentos da arte contemporânea, achamos útil apresentar um pequeno panorama da arte brasileira a partir do início da segunda metade do século XX, período em que ela se internacionaliza sobretudo sob o impacto da criação da Bienal de São Paulo. Em 1955 o Brasil vive um momento de sucessivas crises políticas, resultantes do suicídio, no ano anterior, do presidente Getúlio Vargas. O país é presidido pelo vice Café Filho que, por motivo de saúde, passa a faixa presidencial, em novembro, ao presidente da Câmara dos deputados, Carlos Luz. Nesse ano, todavia, Juscelino Kubistchek elege-se presidente da República. E tudo passa a se transformar rapidamente. O Brasil, que vivia um período populista, iniciado em 1945 com o fim do Estado Novo, ingressa com JK, em 1956, num período populista-desenvolvimentista. Com efeito, nos cinco anos de seu mandato, Juscelino promove o desenvolvimento econômico do país, aumenta a produção de aço, petróleo e energia elétrica, implanta a indústria automobilística e expande a infra-estrutura de transporte, armazéns e silos. Constrói Brasília dentro de padrões avançados de arquitetura e urbanismo. A produção industrial dobra em seu governo e São Paulo transforma-se numa potência econômica e financeira.


 

 

 

 

 


 

 

 

 

 Walter Miranda

O autorretrato de Walter Miranda, criado a partir do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci, é sintomático de sua postura diante da arte e da vida. Com efeito, o desenho de Leonardo, que acompanha apontamentos seus num diário escrito por volta de 1490, remete a um tratado de arquitetura do romano Marcus Vitruvius Pollio, no qual este descreve as proporções do corpo humano. O famoso desenho do gênio da Alta Renascença apresenta um homem nu em duas posições, com os braços inscritos num círculo e num quadrado. Vitruvius estudou as proporções do corpo humano, chegando a uma série de conclusões, entre elas a de que a distância do topo da cabeça para o fundo do queixo corresponde a um oitavo da altura do homem. O tema despertou o interesse de Leonardo, que personifica os ideais da Renascença, período em que o homem passou a ser o parâmetro do mundo, a medida de todas as coisas, observador e objeto de observação. Walter Miranda incorpora em sua obra, a seu tempo e a seu modo, estes ideais humanistas, naturalistas e de justiça social. Acompanhamos seu trabalho desde fins dos anos 70, quando o Brasil era governado por um regime militar e ele, em resposta, produzia uma obra de protesto. Desde o início, ele trabalha por séries, como se fizesse um discurso cujo conteúdo não cabe numa única obra. Na sequência, surge a série das “Transposições sociais”, na qual problematiza a sociedade a partir da criança. Numa pequena coleção sobre a Guerra das Malvinas (1982) e noutra sobre a Copa do Mundo (1983), incorpora elementos não convencionais a suas obras. No ano seguinte, realiza a série “1984 – O Estigma de George Orwell”, sobre a perversão do poder nas sociedades contemporâneas. O próximo lance foi o Projeto Beethoven , que ele idealizou, com participação própria e de mais dois artistas, no qual cada um interpretava as nove sinfonias de Beethoven. A mostra, por nós apresentada, foi exibida no Centro Cívico de Santo André (1985), no Museu de Arte Contemporânea de Americana (1987), na Galeria do Centro Cultural de Guarujá (1987) e na Pinacoteca do Estado de S. Paulo (1988). Nesta série, realizada sobre papelão, o artista coloca problemas sociais e questiona sobre o destino do homem na terra. Na sequência, Walter Miranda, paralelamente a atividades como professor de arte e líder classista, realizou outras séries entre elas “Admirável Mundo Novo”, na qual o social mescla-se com o ecológico; “Projeto Seattle – Exaltação a Gaia”, em que a questão da justiça e da “mãe-terra” (Gaia) é aprofundada, em que triângulos são fracionados para conter subtemas, unidos por espiral logarítmica; “Admirável Nova Idade Média”, que tematiza a qualidade de vida moderna; “Admirável Novo Milênio” , que mescla placas de computador, disquetes e outros materiais a imagens digitais, discutindo o real e o virtual na vida contemporânea. Mais recentemente Miranda volta a se referenciar no chefe indígena Seattle numa série de obras de formato circular ou de projeções de mapas mundi, usando diversos tipos de sucata, denunciado a crescente poluição da terra pelo homem.


 

 

 

 

  

Livro de Gaia I

 

 

 

 

 

 Walter Miranda por Walter Miranda

“Desde 1976, tenho criado obras usando técnicas mistas para abordar questões de ordem social, filosófica e ambiental. Geralmente, eu uso uma geometria formal, derivada de conceitos construtivistas, que me propicia o desafio de criar relações e correspondências entre os elementos de cada quadro. Os trabalhos são planejados por meio de composições construtivistas que seguem os princípios matemáticos da Relação Áurea, uma relação matemática observada em várias criações da natureza e explorada por matemáticos e cientistas ao longo da história humana. Por meio dela, e alguns cálculos matemáticos, determino diversos retângulos áureos e localizo vários pontos e áreas focais onde são afixados elementos simbólicos que representam diversas situações diretamente relacionadas ao tema da obra. O uso da Relação Áurea gera diversas espirais logarítmicas e linhas de força que criam uma relação visual orgânica entre os espaços geométricos devido às divisões sinuosas geradas pela espiral. Também incorporo nos trabalhos vários elementos do nosso cotidiano tecnológico, tais como: placas de computador (serradas e esmerilhadas para obter formas geométricas ou figurativas), processadores, chips, discos rígidos (HD), teclados, disquetes e CDs, alto-falantes, cartões de crédito, relógios, cadeados, selos, cúpulas de relógios, balas de revólver, bijuterias, canetas, etc.; para instigar o imaginário do espectador e provocar reflexões sobre a questão do uso inconseqüente da tecnologia hoje em dia. A incorporação de elementos da natureza, tais como: conchas, caracóis, sementes, folhas, flores (preparadas para não se deteriorarem), terra, etc., serve de contraponto aos elementos tecnológicos e provoca reflexões sobre a questão do meio ambiente e do ser humano. A persistente recorrência no uso de alguns elementos simbólicos em meus trabalhos (como detalhe ou como primeiro plano), tais como a imagem do planeta Terra, bailarinas, crianças, sementes, folhas etc., pode ser classificada como um repertório que enfatiza um universo pessoal de significados que estimula a curiosidade e atenção do espectador e cria uma mitologia própria (Walteriana), correlacionada com o mito de Gaia. Também crio obras usando objetos tecnológicos abandonados pela sociedade contemporânea. Nesse sentido, os “Livros de Gaia”, cujas páginas são placas de computador, abordam o desenvolvimento tecnológico humano e sua consequência para o planeta. Cada página representa uma etapa do desenvolvimento humano na Terra (Gaia). Cada livro é composto por três placas de computador, cujos componentes eletrônicos são realocados a fim de facilitar a inclusão de outros elementos na composição. Em síntese, procuro unir a razão à emoção (base de meu processo criativo) para criar obras que transmitam uma expressão pessoal e contemporânea em que os elementos de cada obra, se agrupam por afinidades simbólicas e se valorizam mutuamente para resgatar o “prazer de se ler uma obra de arte”. Acredito que o resultado seja uma obra não convencional, que alia tradicionais técnicas a novas mídias, cujo estilo é identificável pela concepção compositiva e pelo universo simbólico, que exerce grande força visual e atrativa no espectador. Espero que, a cada nova observação, meu trabalho possa revelar novos detalhes para que o espectador faça várias leituras da minha Arte.

Walter Miranda
Ateliê Oficina FWM de Artes
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