Quando Walter Miranda escreve que, com seus quadros, tenta juntar a emoção à razão, ele está sendo um reducionista.
Aliás, o tanto que ele sintetiza em obras plásticas, de forma prolixa, eu analiso suas obras em pensamentos e tento expressar em palavras. O símbolo visual expressa imediatamente, muito além do que a palavra possibilita (O eterno dilema indiano nome versus forma – nama x rupa).
Graças a influências fraternais, sempre gostei das mitologias, e ao estudar sua estrutura tomei ciência que Walter é um narrador de mitos. Então vamos às definições: O que é Mito?
“O mito desempenha uma função indispensável, ele exprime, enaltece e codifica a crença, salvaguarda e impõe os princípios morais, garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. O mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana...” (MALINOWSKI , 1926 apud ELIADE 2007, pg 23)2
Agora aos fatos: Walter tem uma devoção à vida e ao planeta. Trabalha constantemente com as questões filosóficas expressas em símbolos pictóricos, mas também musicais, cinematográficos, literários e religiosos, reinterpretados pictoricamente (basta ver a quantidade de referências em suas obras).
Desde de suas primeiras séries ele lida com o mito do herói, dos defensores da democracia, da liberdade de expressão, da cidadania. Ele mesmo é o herói na sua obra de 1977, “Esperança é a Última que Morre”. Na sua fase ecológica, conta os mitos do Chefe Seattle, do Admirável Mundo Novo, do Big Brother de 1984, todos esses são tanto mitos de criação como escatológicos, ou seja de extinção. Suas obras falam da “filosofia perene” que dá sentido ao inatingível da experiência humana: a justiça universal, a compaixão incondicional, a esperança da renovação eterna da humanidade, risco de extinção física, cultural e das espécies, a gnose mística da tomada de consciência e da ação.
Quando escrevi “A Fruição do Olhar”, não tinha noção da dimensão do Tempo Forte, que Mircea Eliade (2007) se refere. Naquele texto dissertei, sem saber, sobre o Tempo Sagrado, o tempo que pára com a contemplação e que ao mesmo tempo se renova a cada olhar. Ao passear pela obra por um tempo sem início e sem fim (já que obra encerra um ciclo em si mesma), se vive e revive a história narrada na obra. Cada vez que apreendemos um novo detalhe reatualizamos o mito pictórico. Isso é uma experiência “religiosa”, mágica e sacra, é esotérica, pois nos conduz a reflexão sobre nosso comportamento e sobre os paradigmas das nossas ações. É um mito ontológico (da busca de si) e soteriológico (de salvação). Não trata da história do mundo apenas, mas trata de como eu, Humano, lido com esse mundo. Como eu, "homo technologicus”, redimo-me dos meus atos. O ritual da “Fruição do Olhar” das obras Walterianas nos aproxima do extremo, do que está além da expressão e reconta o mito de extinção, o milenarismo cristão, que promete o eterno retorno a origem, do recomeço ideal.
Os mitos das séries Admirável Mundos Novos, Velhos e Futuros (novamente o millenium) é cosmogônico, nos transporta a uma recriação mágica do mundo para que recontando nossos acertos e desacertos, possamos curar nossas feridas contemporâneas, de abusos racionalmente tecnológicos.
Walter sacraliza a Terra! Invoca a pictórica e liturgicamente em praticamente todos os quadros. Os diversos oratórios, livros, exaltações à Terra são preces tridimensionais. Na série de 2010, Réquiem a Gaia, fala-nos do sacrilégio do esquecimento do planeta como fonte da vida. Como se invertesse a filosofia Sânquia (Samkhya), que ao distinguir o Si mesmo (Purusha) da Natureza (Prakrti), o verdadeiro conhecimento residiria na própria Natureza. Desse modo retoma o culto monista da Deusa Mãe que é o Si mesmo e é a Natureza. A Deusa Gaia, Terra, é generosa com sua criação e também pode mesmo ser uma força primitiva perigosa ao retomar ao Axis Mundi.
As narrativas mitológicas das obras de Walter Miranda contraria a iniciação das pseudo-invenções contemporâneas, pois tem uma narrativa acessível. Embora seja épica, não traz a dificuldade redentora que só os escolhidos da intelligentsia acessarão. Talvez Walter cansado das fábulas incontestáveis da razão, traga acessível a verdade do sagrado. Penso que aqui està sua inovação da Arte. O renascimento e a epifânia da mitologia artística contemporânea que prenuncia o lenitivo das perspectivas de extinção e vazios do 3º milênio.
1ARMSTRONG, Karen. Breve História do Mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pg 7. 2 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 2a reimpr. da 6a ed. São Paulo. Perspectiva. 2007, pg 23 http://flaviaventurolimiranda.blogspot.com.br/2010/07/mitologias-artisticas-de-walter-miranda.html
2ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 2ª reimpressão da 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, pg 23.
Segundo Armstrong (2005, pg 9 e 10) , o mito se caracteriza por 5 aspectos:
1. baseia-se no medo da morte e da extinção,
2. é acompanhada de ritual, sacrifício, liturgia que lhe vivifica;
3. lida com os extremos, invoca o além (tempo, espaço, mundo, vida, homem, palavra, razão);
4. deve ser atuada para ser apreendida e incorporada para surtir efeito;
5. fala-nos da “filosofia perene” e dá sentido ao inatingível da experiência humana.
Para Eliade, o mito conta uma ‘história verdadeira’ que é por demais sagrada. “É essa irrupção do sagrado que fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje.” O mito lida com:
1. história dos entes sobrenaturais
2. história verdadeira e sagrada - tempo forte, sagrado, portanto eterno
3. refere-se a criação, como um padrão de comportamento e paradigmas para as ações
4. conhecimento da origem primal e não exterior do mundo - retorno a origem
5. “vive-se” o mito, rememorando ou reatualizando-nos - conhecimento esotérico, mágico-religioso.