SER E NÃO TER, TER E NÃO SER, EIS A ETIÓPIA!
Em 1985, a Etiópia passou por uma crise social gravíssima com milhares de habitantes morrendo de fome. Tocado por essa tragédia, pintei três quadros expressando a minha indignação e, inspirado em Shakespeare, usei como título para a série a frase Ser e não ter, ter e não ser, eis a Etiópia!
Parece-me que hoje, a Etiópia superou a crise de 85 e está em desenvolvimento social e humano. Apesar de ainda existirem problemas sociais e políticos, o país reconquistou a dignidade que todo povo merece ter.
Entretanto, em outras regiões do planeta, ainda existem povos e populações que vivem o drama de não ter o essencial para a sobrevivência enquanto outros desperdiçam, sem a menor preocupação com seu semelhante, apenas porque estes se encontram a milhares de quilômetros de distância.
QUADRO 1 – A essência humana (representada pela criança) deveria valer mais que as convenções territoriais que dividem a nossa espécie. É exatamente isto o que tentei transmitir nesse quadro, onde a estrela representa o transcendental e a Terra o material, tendo como base filosófica o conceitualismo hipócrita dos quintais embandeirados. Nesse tipo de sistema mundial, o ser humano encontra-se sobre uma balança apoiada em um mundo envolto pela tecnologia usada desmesuradamente.
QUADRO 2 – Os sistemas políticos, econômicos e religiosos mundiais, representados pelas bandeiras pintadas, têm a maior parcela de responsabilidade pela desigualdade da condição humana, já que eles têm suficiente poder de influência para alterar essa situação. Por isso, a vida humana encontra-se dentro de uma grade cuja base é sustentada por algumas bandeiras apoiadas sobre placas eletrônicas representativas das ferramentas tecnológicas em cujo seio encontram-se exemplos de injustiças e violências contra refugiados vítimas da opressão e repugnância dos mais abastados.
QUADRO 3 – A criança representa, nesse caso, todos os povos explorados que sustentam, com seu sangue e sacrifício, os países desenvolvidos e ricos. A tentativa sôfrega e vã de tentar sugar um pouco de vida é desviada para o sustento de uma opulência que se justifica por meio de conceitos e convenções econômicas.
Simetria Ecológica, Social e Política
Técnica: Lápis de cor + óleo sobre madeira.
Dimensões: 100 X 150 cm
Ano: 1989-2020
Estes quadros abordam a violência contra o ser humano em três situações distintas: a violência contra aqueles que lutam pela preservação ecológica, contra aqueles que lutam por melhores condições sociais e contra aqueles que lutam por liberdade política.
Eles estabelecem uma associação conceitual entre as três situações porque os quadros foram idealizados por meio de composições simétricas, que dão razão aos títulos dos quadros e criam um elo entre os conceitos filosóficos.
Quadro 1 – Aborda a violência na Amazônia provocada por conflitos econômicos e ecológicos. A simetria da composição evidencia o antagonismo entre a exploração das florestas de maneira sustentável e a sua destruição devido a uma exploração desordenada. Esse antagonismo aumentou na década de 1980 provocando a morte de muitos seringueiros e culminando na morte de seu líder Chico Mendes.
Quadro 2 – Em novembro de 1988, a invasão da Cia. Siderúrgica de Volta Redonda pelo exército brasileiro provocou a morte de três metalúrgicos que estavam em greve e ocupavam as dependências da siderúrgica. O uso extremo da força pelo exército provocou não só mortos e feridos, mas feridas conceituais entre os trabalhadores, pois eles se sentiram tratados como inimigos da pátria apenas por reivindicar melhorias sociais e trabalhistas.
Quadro 3 – A invasão da Praça Ti An Anmen, Pequim, em 1989, pelo exercito da Manchúria (a mando do governo chinês), provocou a morte de milhares de estudantes e civis chineses que ocupavam a praça há semanas e lutavam por uma abertura política no regime chinês.
BOSCH + 500 – O JUÍZO FINAL
Esse é um tríptico em comemoração aos 500 anos da morte do famoso pintor holandês Hieronymous Bosch.
Ele representa uma releitura da pintura de Bosch denominada O juízo final, inclusive na montagem física do painel articulável que se abre como se fosse uma janela.
A comparação temática entre os dois trabalhos se baseia nas questões sociais do final da Idade Média, representadas por Bosch em seu tríptico, e várias situações conflitantes do século XXI, tais como conflitos bélicos, devastação ecológica, desrespeito à vida, pandemias etc.
Técnica: Óleo + objetos sobre tela sobre madeira.
Dimensões: 73 cmX58cm
Ano: 2016
Walter Miranda - 2016
Da Caverna de Platão à Dicotomia de Um Senão - IV
Essa é a quarta versão de trabalhos baseados na caverna de Platão, um trecho do texto A República escrita pelo filósofo grego Platão (c428-c348aC.). O texto descreve a situação de alguns homens presos em uma caverna de costas para a sua abertura e sem poder olhar para trás ou para os lados. Dessa forma, a única concepção que eles têm do mundo é representada pelos sons que ouvem e pelas sombras de pessoas que passam à frente da caverna e que são projetadas na parede ao fundo dela.
O quadro tem a forma de um diamante e a área central dele mostra o exato momento em que um dos homens consegue se libertar e apreende a realidade do mundo afora, que está representada nas diversas faces do diamante com imagens das sociedades antiga e contemporânea.
TÉCNICA: Óleo + objetos sobre madeira
DIMENSÕES: 99 X 60 cm
ANO: 2015
Walter Miranda - 2015
Nada de Novo no Novo Milênio - II
O uso da violência como instrumento de dominação e desculpa para atingir objetivos escusos ou duvidosos; o uso de discursos políticos, ideológicos e filosóficos com a finalidade de confundir o raciocínio das pessoas e se manter no poder; a manipulação das informações a fim de esconder a verdade etc. Enfim, qualquer tipo de atitude que sirva para justificar a exploração do ser humano pelo próprio ser humano sempre me incomodou e a forma que eu uso para expressar a minha indignação contra isso é a arte.
Recentemente, a destruição das duas torres do WTC em Nova Iorque causou a morte de muitos inocentes, chocando o mundo ocidental que assistiu ao vivo cenas dantescas.
Em meu coração instalou-se a dicotomia de sentir-me chocado com a cruel violência visualmente exposta naquele ato e ao mesmo tempo revoltado com a violência dissimulada de alguns governantes, de uma superpotência e de países aliados, que desrespeitam os princípios mais básicos de convívio civilizado entre povos de diferentes culturas.
Infelizmente, esses hipócritas têm usado o sangue dos sacrificados como desculpa para continuar se mantendo no poder e continuar explorando diversos povos que vivem em locais estratégicos, econômica e militarmente, cometendo mais atrocidades e injustiças contra pessoas tão inocentes quanto as que morreram em setembro do ano passado.
O tríptico Nada de novo no Novo Milênio - II é o meu protesto contra estas atitudes que só aumentam o nível de violência e injustiça no mundo gerando mais insatisfação das populações exploradas e servindo de motivo para mais loucuras e atitudes desesperadas de minorias radicais. O resultado desse tipo de manipulação é sempre a morte de inocentes dos dois lados.
Essas atitudes e seus resultados não são novos, mas os líderes de diversos países (em ambos os lados dos conflitos) continuam usando inescrupulosamente o sangue dos inocentes para manter suas posições políticas, manter seus confortos materiais, aumentar seus lucros financeiros e justificar seus atos de violência contra povos e culturas que não entendem.
Nem mesmo a promessa de um mundo novo neste novo milênio tem sido capaz sensibilizar as lideranças do mundo em relação ao respeito humano e às diferenças culturais. Por isso mesmo, continuamos à mercê do antigo risco de guerras tradicionais, bacteriológicas ou até mesmo de uma hecatombe nuclear.
Uma parte do tríptico apresenta a bandeira americana estilizada de onde partem mísseis que ameaçam a cultura islâmica, representada pela lua crescente com a estrela, e outra parte apresenta dois aviões em queda livre que ameaçam a cultura ocidental, representada pela tocha da estátua da liberdade. Estas duas imagens são baseadas na argumentação das duas culturas (ocidental e islâmica). São duas visões antagônicas do mesmo problema, onde as duas partes se autodenominam libertadoras e chamam os inimigos de terroristas. É interessante notar que os discursos dos líderes de ambas as partes são tão iguais que, se pensarmos bem, eles se desmascaram mutuamente. Eles só continuam fingindo o papel de bonzinhos porque se sentem protegidos pelo sistema que defendem e porque muito de nós continuamos fingindo que não vemos esse teatro macabro onde os inocentes continuam pagando pelos pecadores.
Esse trabalho foi pintado sobre papelão de fabricação própria com as imagens sendo pintadas à mão ou editadas por meio de computação gráfica e as placas de computador foram serradas e esmerilhadas. A composição do tríptico é construtivista e segue os princípios matemáticos da relação áurea, uma relação matemática observada em várias criações da natureza e já encontrada nos estudos matemáticos dos povos da Antiguidade. Através dela, determinei os retângulos áureos e localizei vários pontos e áreas focais onde foram afixados os elementos simbólicos que representam diversas situações diretamente relacionadas com o tema da obra e que obrigam o espectador a examinar as relações metonímicas dos quadros, provocando-lhe questionamentos. Nesse sentido, as peças de computador representam o domínio da tecnologia na sociedade atual e que, muitas vezes, tem servido como instrumento de dominação pelos povos mais ricos.
Meu objetivo com minhas críticas sociais por meio da arte é provocar o espectador, usando uma linguagem artística e subjetiva. Para mim, o mais importante é a reflexão que o espectador leva consigo depois de observar meus trabalhos. Não sonho em transformar o mundo com meus questionamentos e nem pretendo mostrar que a arte pode eliminar a violência no mundo, mas gosto de provocar as pessoas para que elas tirem suas próprias conclusões sobre o tema abordado.
Quem tem olhos, que veja!
Técnica: óleo + imagens digitalizadas + objetos sobre papelão de fabricação própria
Dimensões: 153 x 96 cm
Ano: 2002-2003
Walter Miranda – 2002/2003
Doutrina Bush - O Espantalho da Morte
Em 2003, os EUA invadiram o Iraque sob a acusação de que esse país produzia armas de destruição em massa e que apoiava a al-Qaeda, grupo terrorista acusado pelo ataque às duas torres em Nova Iorque e ao Pentágono em Washington. À época, o diretor da a CIA, George Tenet, já havia informado ao presidente Bush que o Iraque não produzia as armas mencionadas e não tinha ligação com a al-Qaeda, cujo chefe Bin Laden, estava no Afeganistão. Mesmo assim, Bush auxiliado pelo Reino Unido, Austrália e outras nações, resolveu invadir o Iraque. Após a invasão nenhuma das acusações foram comprovadas e a invasão criou uma desestabilização do Iraque que culminou no nascimento do grupo terrorista Estado Islâmico - ISIS.
O trabalho denominado Doutrina Bush – O Espantalho da Morte representa a minha opinião sobre as ações militares norte-americanas em várias partes do mundo em nome de uma política que eu considero equivocada e maldosa.
A parte vertical do quadro representa a imagem do “Tio Sam” (símbolo dos EUA). Na cabeça existem várias imagens apresentando Bush convocando para a invasão e brincando de dominar o mundo, bem como armamentos militares, manifestações mundiais contra a invasão etc.
O tronco e os braços são formados por alusões à bandeira norte-americana. As faixas brancas e vermelhas funcionam como rastro deixados por seis aviões furtivos (stealth) B-2 Spirit e dois caças F-21 que ameaçam simultaneamente os continentes mundiais que estão dentro de dois HDs com a Iinscrição “Nós” em vários idiomas que se contrapõem à inscrição “US”, que também significa “Nós” em inglês e ao mesmo tempo United States.
As cinquenta estrelas da bandeira dos EUA é representada por esporas, numa alusão à origem texana de Bush. Os pentelhos são representados por uma águia e o pênis por um míssil Tomahawk. Os pés são representados por dois aviões furtivos Nighthawk F-117.
No chão, um mapa-múndi cercado por balas tem várias bandeiras americanas fincadas nos continentes representando a presença militar do país no mundo e as áreas dos EUA e Reino Unido são preenchidas com placas de circuito eletrônico.
TÉCNICA: ÓLEO + OBJETOS SOBRE MADEIRA
DIMENSÕES 205 X 185 CM - (Avanço horizontal = 60 cm)
ANO: 2003
* Objetos utilizados: Placas de computadores serradas e esmerilhadas, esporas, HDs desmontados, broches, acrílico, objetos decorativos, etc.
Walter Miranda - 2003
Doutrina Bush - O Espantalho da Morte por Flávia Miranda
O artista plástico Walter Miranda apresenta algumas obras de arte que provocam profundas reflexões sobre o momento político mundial atual. Em alguns painéis do Átrio estão obras que criticam a atual política norte-americana (denominada Doutrina Bush) e os atos terroristas. Ao mesmo tempo, o artista expõe obras homenageando a cidade de Nova York, vítima dos atentados de 11 de setembro de 2001. As obras unem a tradicional técnica da pintura a óleo (embora em estilo contemporâneo) a novas mídias tecnológicas (pois parte dos trabalhos foi realizada através de computação gráfica). Uma obra se destaca do conjunto: DOUTRINA BUSH - ESPANTALHO DA MORTE. Ela consiste em um espantalho de estatura e envergadura de um homem adulto com o mapa mundi a seus pés e é pintada com esmalte sintético e tinta a óleo, com inserção de placa de computador serrada, HDs desmontados, broches, balas de revolver, esporas, imagens trabalhadas com computação gráfica, etc. É tanto um quadro, como uma instalação, pois da parede ela se estende para o chão, induzindo o espectador a olhá-la de vários pontos de vista e assim interagir com o objeto de arte. As diferentes imagens e partes que compõem a obra se relacionam entre si mas são ao mesmo tempo independentes. Isso provoca um olhar contemplativo dos detalhes e um olhar dinâmico pelas correlações de raciocínio das partes e do todo. Com certeza é uma obra impactante que conduz a reflexão inteligente do mapa político mundial atual. É uma exposição marcante de forte impacto visual e conceitualmente objetiva mas com sutilezas nas entrelinhas.
Flavia Venturoli - Abril 2004
Janela Nossa de Cada Dia
A Série Janela Nossa de Cada Dia apresenta três pares de questões filosóficas: Tecnologia versus Natureza; a Condição Humana versus a Compreensão da Infinitude e Ideologia versus Violência.
São três trabalhos pintados sobre madeira e que são articuláveis porque as folhas das janelas podem ser abertas ou fechadas.
Janela 1 – Contraposição do uso da tecnologia, representada pelo ônibus espacial, em detrimento da proteção à natureza, representada por uma floresta sendo penetrada por uma estrada.
Janela 2 – Contraposição da condição básica do ser humano, representada pela fome, e a infinitude do universo do qual somos apenas uma ínfima parte dos desígnios de Gaia, a mãe Terra.
Janela 3 – Contraposição da busca humana pela liberdade, representada pela mão da estátua da liberdade, e o uso da violência para atingir nossos objetivos, representado pelo cogumelo atômico
Técnica: Óleo sobre madeira
Dimensões: 100 X 60cm
Ano: 1987-2020
1984 - Estigma de George Orwell
Entre 83 e 84, pintei a série de quadros denominada 1984 - O Estigma de George Orwell. Ela é uma analogia do livro 1984, escrito por Orwell, com as sociedades contemporâneas. A série mostra a inércia das pessoas que se deixam manipular pelos detentores do poder por meio da força e da informação. Nela, pintei as pessoas com os rostos facetados, para mostrar a robotização do ser humano, que não questiona as imposições dos sistemas político/econômicos e, por isso, se torna responsável indireto pelas inconsequências praticadas por seus dominadores, as quais estão representadas nos quadros pelas palavras escritas nos letreiros das lojas.
Dada a atualidade do tema, vale a pena me estender mais sobre o assunto. Com relação ao livro, existem muitas teses sobre as intenções de Orwell ao escrever o livro 1984. Talvez identificasse Londres e o trabalhismo em 1948 após a guerra. Talvez representasse o comunismo, o fascismo, o nazismo ou, quem sabe, estivesse até mesmo fazendo uma previsão. A meu ver estas teses são irrelevantes diante dos problemas abordados por ele e que vivemos concretamente através das perversões do poder (hoje e em qualquer época). O titulo, inclusive, poderia ser 1964, 1999 ou 2020, pois mais que uma previsão, alguns dos assuntos abordados por Orwell são facilmente constatados tanto na sociedade do pós-guerra como na atual, guardadas algumas diferenças devido ao desenvolvimento tecnológico, a saber:
· controle do indivíduo,
· invasão da privacidade individual,
· anulação da memória de povos,
· mudança de significado das palavras,
· transformação de pessoas em não seres,
· notícias falsas.
Os temas acima citados podem ser exemplificados conforme abaixo:
CONTROLE DO INDIVÍDUO
Os órgãos oficiais de informações, inclusive dos países mais "democráticos" como os EUA, tem dossiês completos sobre as ações de alguns indivíduos da sociedade, numa forma de "controle invisível". As "democracias relativas" do terceiro mundo implantam a delação em todos os níveis sociais, sacrificando até mesmo os inocentes. Poucos têm coragem para ajudar os injustiçados e/ou os parceiros, pois atrás da delação estão a tortura e o terror, cuja função é mudar e controlar a consciência de todos visando a "Paz" social. Essas "democracias" mantêm polícias do pensamento que, através da propaganda totalitária e outros artifícios, conseguem controlar até mesmo a opinião das pessoas esclarecidas. Outro exemplo de controle social acontecia em Miami onde, na década de 80,existiam caixas com câmeras de vigilância espalhadas pelas ruas de intenso comércio. Contudo, pelo menos, metade delas encontrava-se vazia e as pessoas, por ignorarem tal fato, reagiam como se estivessem sendo vigiadas. Atualmente as câmeras realmente filmam e gravam as ações populares em várias cidades do mundo e, nos aeroportos, elas já conseguem efetuar reconhecimento facial dos transeuntes.
INVASÃO DA PRIVACIDADE INDIVIDUAL
Em 1983, quando pintei os quadros dessa série, alguns governos possuíam diversas informações sobre o comportamento e vida dos indivíduos utilizando, entre outros meios, a eletrônica, a informática e a violação de correspondências. Agora, no século XXI essa prática se expandiu infinitamente, haja vista os casos divulgados por Edward Snowden e pelo Wiki Leaks de Julian Assange. É notório que e-mails, ligações telefônicas, navegação por internet e mídias sociais são objetos de vigilância governamental e até mesmo de pesquisa comercial. Pode‑se dizer que é a política da liberdade vigiada em que a privacidade fica em segundo plano.
ANULAÇÃO DA MEMORIA DOS POVOS
Um dos meios para anular a memória de uma nação até a década de 60 era por meio da mudança dos fatos de sua história. Sabe‑se da existência de diversas fotos alteradas, tanto pela União Soviética e China, como por países ocidentais, onde pessoas influentes no regime foram apagadas por artifícios fotográficos ao se tornarem "personas non gratas", restando apenas a versão oficial e não mais o fato veridicamente ocorrido. Também se alterava enciclopédias e livros, anulando ou camuflando os fatos com versões oficiais e jogos de palavras. Hoje, com os recursos tecnológicos, ficou mais fácil fazer esse tipo de alteração noticiando‑se fatos sutilmente deformados de acordo com as intenções oficiais de cada país, ou governo. Também se constrói uma história falsa por meio de alterações de fatos nos livros escolares. Problemático também é o fato de grupos sociais falsificarem notícias e fatos nas mídias sociais por meio de vídeos e mensagens falsas, pois é difícil comprovar uma fake news devido ao seu poder de propagação. E para piorar ainda mais a situação, hoje já é possível com recursos caseiros criar notícias falsas alterando vídeos onde determinada pessoa diz algo e a imagem e texto são modificados com tanta eficácia e realismo que só quem originou o vídeo pode saber que ele foi falsificado, mas ela tem dificuldade em provar isso.
MUDANÇA DE SIGNIFICADO DAS PALAVRAS
Outra prática de perversão do poder é a mudança de significado das palavras. Nos regimes ditatoriais, basta batizar de democracia o despotismo para se agir arbitrariamente contra a sociedade.
Durante a ocupação Francesa na Argélia, a palavra "pacificação", usada pelos franceses, significava para os argelinos o genocídio de seu povo. Na guerra do Vietnã a palavra “libertação”, usada pelos americanos, tinha significado diferente para os Vietnamitas. Alguns países usaram a expressão “operação liberdade do Iraque” para justificar uma invasão militar. Na União Soviética “independência intelectual” significava doença mental para o governo central. No Brasil, durante os anos 80, tínhamos as palavras “desindexação e expurgo” para desconsiderar alguns índices inflacionários que comprometiam o orçamento familiar. Assim, era possível camuflar a inflação anual. Ainda hoje, temos governantes que usam expressões do tipo “pessoas que procuram empregos” em vez de desempregados.
NÃO SERES
Para nós brasileiros, os não seres poderiam ser identificados como idosos, desempregados, imigrantes sem permissão para trabalhar, retirantes nordestinos, negros de baixa renda, mendigos e tantos outros. Em tempos de pandemia do Covid-19, ficou clara a não existência de parte significativa da sociedade brasileira que não conseguiu auxílio financeiro por não fazer parte do sistema social oficial. O mesmo pode ser colocado para os imigrantes que tentaram se refugiar na Europa devido aos conflitos militares e religiosos no Oriente Médio.
CONCLUSÃO
Hoje, passados tantos anos de conclusão dessa série, vejo que o tema continua atual já que com os recursos materiais oferecidos pela tecnologia se tornou mais fácil controlar as populações criando necessidades e satisfações superficiais distantes das necessidades essenciais para uma vida humana digna e saudável.
Walter Miranda – 1984/2020
No Centro de Artes Shopping News, a Vez da Nova Geração
Eles não se conheciam antes que o crítico e artista plástico Olney Kruse os indicasse para essa coletiva, cuidando inclusive, de selecionar pessoalmente as obras que cada um vai expor. Mas além de serem pintores novos, que experimentam dia a dia as agruras de um mercado repleto de medalhões, os três têm um forte ponto em comum: escolheram a pintura como meio de espressão do seu tempo- reforçam, aliás, essa condição, autodefinindo-se como documentaristas de sua época. E a visão que cada um tem do momento que vive transparece em seus quadros
Walter faz uma analogia com a obra de George Orwell, autor do livro “1984”,apresentando figuras humanas robotizadas, que andam pelas ruas centrais de São Paulo insensíveis as palavras de ordem presentes nas lojas comerciais. "Quero mostrar a inércia da sociedade que se permite manipular pelos detentores do poder, como na ficção de “Orwell”, argumenta.
Na Luta
Walter por sua vez, diz já ter perdido a conta de quantos salões participou, pois envia trabalhos para todos que pode, desde 1978, quando estreou no 6° Salão Jovem de Arte de Santos. “O salão é ótimo porque dá chance ao artista de mostrar seu trabalho, justifica". O primeiro prêmio significativo que recebeu, segundo afirma, foi na 3ª Mostra Nova do Centro de Artes Shopping News, realizada em 1980, que lhe abriu as portas para a primeira individual, no próprio Centro de Artes, em 1981. Além deste, fala com carinho também do prêmio Cidade de Santo André, conquistado em abril último no 11º Salão de Arte Contemporânea daquela cidade. Lorenzetti, Cassiano e Walter ficam até o próximo dia 14 no Centro de Artes Shopping News. Suas obras podem ser vistas das 9 ás 18 horas, de 2ª a 6ª Feira, na rua Martins Fontes, 159.
Santo André realiza seu V Salão Jovem
Diário do Grande ABC 26 de Setembro de 1982.
Arte/Crítica Enock Sacramento
Santo André realiza seu V Salão Jovem
A presença de três artistas andreenses entre os cinco premiados do V Salão Jovem de Arte Contemporânea de Santo André, aberto a artistas de todo o país, mostra que as coisas estão mudando no panorama artístico do Grande ABC. Novos nomes estão surgindo em nosso ambiente artístico, alguns revelados pelo próprio Salão Jovem, criado em 1978 por Miller de Paiva e Silva exatamente com essa finalidade: dar oportunidade aqueles que não têm ainda acesso ás galerias comerciais de Arte de São Paulo.
No primeiro salão jovem dos três premiados, dois eram da região: Ronaldo Bertaco, de Santo André, e Antonio Carlos de Almeida Mattos, de São Caetano.
No II Salão, Luiz Antonio Boralli, de Mauá foi um dos três artistas agraciados com o prêmio Cidade de Santo André, de natureza aquisitiva. A partir do III Salão os prêmios passaram a ser em número de cinco. Mattos voltou a ser contemplado com um deles. No IV dois prêmios ficaram na região atribuídos que foram a Renato Brancatelli, de São
Caetano e Fátima Palerme, Nil e Paula Caetano, de Santo André que apresentaram uma magnífica criação em grupo: Transições Tubulares, hoje no acervo da prefeitura.
Agora na V versão do Salão Jovem, temos mais três artistas de Santo André premiados: Fausto Ribeiro, Paula Caetano e Wilson de Oliveira Souza. Paula Caetano e Fátima Palerme, que integram o Grupo forma um Todo e Walter Miranda ( este de São Paulo, mas com uma grande atuação na região ), receberam ainda menções especiais que, por lapso, não constaram do catálogo.
A comissão julgadora do V Salão Jovem, constituída por Ismael Assumpção, Antonio Zago e Jair Glass, selecionou apenas 95 trabalhos para figurar na mostra que, por isso mesmo apresenta bom nível no conjunto. As obras premiadas mostram claramente a tendência do júri no sentido de valorizar o gráfico. Fausto Ribeiro apresenta-nos trabalhos realizados com pastel e lápis de cor. Paula Caetano está presente com três Intermezzos, com dois a lápis de cor e uma técnica mista, com referências á temática musical. Wilson de Oliveira Souza tem cinco obras, três realizadas em nanquim e ecoline e dois objetos.
Em todos a preocupação de explorar as possibilidades plásticas do traço e de realizar uma obra sóbria e contemporânea.
Todavia, os trabalhos de maior impacto do Salão são os que receberam menções em lugar de prêmios: A Arte Objeto de Walter Miranda, e o trabalho experimental do Grupo Forma Um Todo, integrado por Fátima Palerme e Paula Caetano. Miranda inscreveu três trabalhos de grande força criativa e absolutamente atual: Xeque Argentino, Xeque Inglês, e Xeque-
Mate, constituídos de três tabuleiros de xadrez com o mapa das ilhas Falklands/Malvinas orientais e ocidentais. Essas ilhas vão se aproximando na seqüência para finalmente, ocuparem a área interna do xadrez no xeque-mate, em que as pedras, antes representadas por bandeiras argentinas e inglesas, pintadas em uma metade esférica, são substituídas por vidros de conteúdo vermelho identificados como ’’Sangue Argentino “ e “Sangue Inglês”, uma aguda crítica aos conflitos bélicos.
A obra experimental de Paula Caetano e Fátima Palerme tem o mesmo nível de criatividade, embora com enfoque completamente diferente. Esta obra de nítido sentido ritual vem sendo modificada por pessoas convidadas e interessadas. É, portanto, uma obra aberta, que prevê a participação do espectador. Sexta-feira ela foi por nós modificada, juntamente com o arquiteto Wilson Stanziani, de Santo André.
O Salão Jovem de Arte Contemporânea de Santo André tem o sabor das coisas espontâneas e a força das novas sensibilidades. Já se constitui num acontecimento importante do movimento artístico da Grande São Paulo. Não deixe de ver.
Todo "Ismo" é Ópio do Povo
Técnica: Flotagem e grafite sobre papel e óleo sobre madeira
Dimensões: 60 x 60 cm
Ano: 1982
Nestes três quadros procuro demonstrar que independentemente do sistema político, geralmente, as ideologias tem servido apenas para controlar o ser humano através de dogmas que se baseiam em conceitos filosóficos que não são praticados pelos detentores do poder. O resultado é a miséria de grande parte das populações e o controle político por meio da violência e do medo. Na prática, tanto o capitalismo, como o socialismo e o comunismo (que para mim nunca foi colocado em prática, pois o que ocorreu na União Soviética foi só mais uma ditadura), tem servido apenas para controlar os desígnios dos povos de acordo com a vontade dos detentores do poder.
Quadro 1 – Imagens que abordam a situação social e política brasileiras representam o resultado proporcionado pelo “ismo” vigente no país. Na parte inferior do quadro está a estilização da bandeira brasileira com a palavra liberdade em auto relevo que representa o anseio maior do momento.
Quadro 2 – A invasão da Polônia por tropas soviéticas massacra o movimento “Solidarnosc”, que havia se espalhado pelo país transformando-se na possibilidade de obtenção de liberdade e melhorias sociais.
Quadro 3 – A ditadura imposta à população de El Salvador, sustentada econômica e militarmente pelos Estados Unidos, provoca os mesmos resultados das ditaduras sustentadas pela União Soviética. Na parte inferior do quadro a bandeira Norte Americana tem incluída em alto relevo a palavra “O SALVADOR” em alusão tanto ao nome do país onde ocorrem as atrocidades mostradas, quanto à prepotência norte americana que se considera “o salvador” do mundo ocidental.
Abaixo está a transcrição do texto do quadro II:
Mt 11,21-22 "Ai de ti, Corazaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas se teriam arrependido sob o cilício e a cinza. Por isso te digo: no dia do juízo, haverá menor rigor para Tiro e para Sidônia que para vós!" Mt 12,37 É por tuas palavras que serás justificado ou condenado." Mt 24,7 Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino, e haverá fome, peste e grandes desgraças em diversos lugares Bíblia Sagrada Edição Pastoral Catequética Editora Ave-Maria - 131a edição
Abaixo está a transcrição do texto do quadro III:
Mt 11,23-24 "E tu, Cafarnaum, serás elevada té o céu? Não! Serás atirada até o inferno! Porque, se Sodoma tivesse visto os milagres que forma feitos dentro dos teus muros, subsistiria até este dia. Por isso te digo: no dia do juízo, haverá menor rigor para Sodoma do que para ti!" Mt 12,36 Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. Mt 24,6 Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerra. Atenção: que isso não vos perturbe, porque é preciso que isso aconteça. Mas ainda não será o fim. Bíblia Sagrada Edição Pastoral Catequética Editora Ave-Maria - 131a edição
XEQUE ARGENTINO - XEQUE INGLÊS - XEQUE MATE
Uma ação militar com a simples finalidade vangloriosa provoca uma reação militar mais ufanista ainda.
Como sempre, os conceitos político/militares superam os humanitários e, novamente, joga-se irresponsavelmente com vidas humanas.
Esse é o resumo do meu inconformismo, com esse tipo de atitude, representado nessa série que aborda a arrogância de uma ditadura militar e de uma potência bélica. Ambas apenas preocupadas apenas com questões hipócritas, uma relacionada com a propaganda governista de uma ditadura e outra com a manutenção do status político internacional.
AS OBRAS
XEQUE ARGENTINO - Em um tabuleiro de xadrex, quatro capacetes argentinos envolvem um inglês, numa representação da invasão das ilhas Malvinas pela Argentina. As Malvinas encontram-se divididas pelo tabuleiro, a fim de mostrar que durante a contenda elas não têm "dono".
XEQUE INGLÊS - Em outro tabuleiro, doze capacetes ingleses envolvem os quatro argentinos, numa representação da diferença entre a frota naval inglesa e as forças argentinas. Aqui também, o mapa das Malvinas continua dividido.
XEQUE-MATE - As Malvinas encontram-se agora no centro do tabuleiro, ou seja, já tem um dono. Sobre o tabuleiro, 3 vidros rotulados de sangue argentino e 3 vidros rotulados de sangue inglês representam as vidas humanas ceifadas inutilmente. No centro do tabuleiro, um sétimo vidro, vazio e aberto, representa a indagação ética que persiste para o futuro: Correrá mais sangue?
COMPONENTES DAS OBRAS
- Três tabuleiros de xadrez (um para cada quadro).
- Várias metades de cascas de limão, devidamente preparadas para evitar o seu apodrecimento, surgimento de fungos, etc. Estas cascas estão pintadas com a bandeira da Argentina e da Inglaterra, representando capacetes de soldados análogos a peças de um jogo de xadrez.
- Seis vidros lacrados, contendo tinta vermelha, representam containers com o sangue dos soldados mortos e feridos.
Abril/1982 - Walter Miranda
Transposições sociais
Tudo que o ser humano faz tem função social. Porém, dentro da Arte, creio que no exato momento da criação, a obra deve ter uma preocupação social. A função será a conseqüência. Sendo assim, na série de óleos que desenvolvi e apresentei em 1981, resolvi abordar as diferenças socioeconômicas representativas da sociedade brasileira.
A ideia inicial foi apresentar um cenário que apresentasse “os dois lados da mesma moeda”. Entretanto, não teria sentido usar situações convencionais, já que a idéia não atingiria o impacto pretendido. Dessa forma, após alguns estudos, cheguei às Transposições Sociais.
Usei a criança como elemento principal devido à sua não deturpação de conceitos, o que expressa para mim, um resto de esperança em nossa sociedade. Em todos os trabalhos, tanto as crianças ricas como as pobres apresentam um aspecto saudável para reforçar exatamente a impressão de pureza, apesar da opressão social e conceitual imposta por nós, adultos.
Por isso, os quadros se apresentam em pares com as crianças em posições idênticas, porém em condições sociais opostas, a fim de mostrar a igualdade humana em termos naturais e a injustiça social em termos humanos.
Walter Miranda Abril/1981
Walter Miranda no Centro de Artes Shopping News
30 de agosto de 1981 Shopping News/City News - Artes Plásticas
Walter Miranda Walter Miranda no Centro de Artes Shopping News, abre as inaugurações de uma emana agitada. Amanhã, às 20h30 ele expõe 24 trabalhos em óleo sobre tela e papelão, todos usando crianças como principal elemento. “Para mim, a criança representa um resto de esperança em nossa sociedade”, explica Walter. Transposições Sociais é o título da primeira exposição individual do artista.
A Força, o Poder, a Razão e o Preço da Liberdade
Estas obras abordam as manifestações estudantis em 1977 e a reação violenta dos policiais e forças militares contra os alunos. No primeiro trabalho - O Argumento da Força: policiais ameaçam os alunos com blackjacks demonstrando o argumento da força. No segundo trabalho - O Poder de Convencimento: policiais espancaram um estudante demonstrando uma espécie de poder convincente. No terceiro trabalho - A Razão Acima de Tudo: dois alunos ajudam um terceiro, com hematomas provocados por espancamentos, e um deles aponta para o ferido e grita na demonstração de que a razão está acima da violência. No quarto trabalho - O Preço da Liberdade: a fumaça provocada por uma bomba de gás lacrimogêneo envolve um policial militar que ameaça os alunos. A fuga dos estudantes é provocada pelo contingente militar que está por trás do soldado. Em um dos alunos, repousa uma pomba, símbolo da não-violência.
São Bernardo do Campo – Prova de contato 1, 2 e 3.
Estes três quadros, em forma de filmes diapositivos, apresentam uma seqüência onde policiais espancam um trabalhador que participava das greves dos metalúrgicos na região do ABC paulista. O título das obras tem duplo significado, pois prova de contato é um tipo de ampliação teste que os fotógrafos fazem para decidir quais as fotos de um filme podem ser aproveitadas, mas no caso dos quadros é a forma de contato entre os policiais e o trabalhador.